terça-feira, 1 de setembro de 2015

O novo Código da Mineração aprofunda retrocessos

O relator do novo Código da Mineração, deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG), apresentou informalmente, na tarde de ontem (26/8), um novo relatório preliminar onde, sob a justificativa de simplificar e liberalizar os procedimentos burocráticos relacionados à exploração minerária, aprofunda retrocessos para o meio ambiente e os direitos de comunidades indígenas e tradicionais (veja o relatório).


Os integrantes da Comissão Especial da Câmara que analisa a proposta acordaram que o parecer deverá ser apresentado formalmente no dia 22/9 e votado no dia seguinte. É provável que algum deputado faça um pedido de “vistas”, o que adiaria por mais alguns dias a votação, mas há dúvidas se o Regimento da Câmara permite ou não a manobra. A crise política entre Congresso e governo também torna incerta a data da votação.

Segundo Quintão, o novo relatório foi elaborado junto com técnicos do Ministério de Minas e Energia e teria apoio do Planalto. “O governo entendeu que o construímos é adequado para manter o setor competitivo e atende também os pequenos produtores, os garimpeiros”, afirmou o parlamentar. A assessoria da Liderança do Governo na Câmara informou que ainda não tem uma posição sobre o novo texto.

Uma das novidades do relatório é a autorização explícita para que a mineração seja realizada em Unidades de Conservação (UCs) de Uso Sustentável, como Florestas Nacionais. De alto impacto ambiental, a mineração é incompatível com essas áreas. O parecer mantém a concessão de superpoderes à futura Agência Nacional de Mineração (que pretende instituir), inclusive o de autorizar ou não outras atividades que possam “criar impedimento à atividade de mineração”.

“Esse artigo é inaceitável e impróprio. É um atalho para desrespeitar os direitos difusos de toda a sociedade”, criticou o deputado Sarney Filho (PV-MA).

O texto cria o “relevante interesse da mineração”. Na prática, se aprovada com dispositivos como esses, a proposta implicará a primazia da mineração sobre outros interesses individuais ou coletivos. Parlamentares e ambientalistas consideram, por exemplo, que isso será um sério obstáculo à oficialização de novas UCs, Terras Indígenas e Territórios Quilombolas.

“Não concordamos com a forma como vem sendo conduzida a comissão. Estão tratorando a tramitação da proposta. Não aceitaram nenhum dos pontos que apresentamos na discussão”, critica Jarbas Vieira, do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, rede de dezenas de organizações da sociedade civil e movimentos sociais, entre eles o ISA, que defende os direitos das comunidades impactadas pela empresas do setor (leia mais).

O Comitê distribuiu, durante a reunião da comissão, a cartilha que detalha o financiamento das campanhas eleitorais dos integrantes do colegiado por parte de grandes empresas de mineração. Segundo a publicação, dos quase R$ 5 milhões recebidos por Leonardo Quintão na campanha de 2014, mais de 40% foram doados por empresas do setor.

O parlamentar foi alvo de representação na Mesa da Câmara e um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) por causa de seu financiamento eleitoral. Nenhum dos dois foi à frente. Ambos foram encaminhados por um conjunto de organizações da sociedade civil e movimentos sociais, entre eles o ISA.

O inciso VIII do Art. 5º do Código de Ética da Câmara afirma que fere o decoro parlamentar “relatar matéria submetida à apreciação da Câmara dos Deputados, de interesse específico de pessoa física ou jurídica que tenha contribuído para o financiamento de sua campanha eleitoral”.

Salvaguardas

O texto de Quintão também ignora a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, que determina que comunidades indígenas e tradicionais devem ser consultadas previamente sobre qualquer medida ou empreendimento que afete seus territórios.

O deputado argumenta que sua proposta não traz salvaguardas ambientais, sociais e trabalhistas porque já há legislações específicas que as garantem. Ele também afirma que o parecer assegura recursos para as comunidades afetadas por meio da compensação que será destinada aos municípios que abrigam empreendimentos de mineração.

A proposta do parlamentar redistribui os recursos da Compensação Financeira sobre Produtos Minerais (Cefem) entre os entes da Federação. “Estamos tirando recursos da mineração para essas comunidades. Tivemos a coragem de peitar prefeitos, estados e a União”, defende Quintão.

Sem explicitar e detalhar formas de compensação e proteção socioambientais, no entanto, o relatório não garante os direitos de populações específicas diretamente atingidas. Para se ter uma ideia do problema, a proposta remete à Agência Nacional de Mineração a atribuição de regulamentar o conceito de “comunidades impactadas”, fundamental para estabelecer essas compensações e restrições ambientais às atividades de mineração.



Por Oswaldo Braga de Souza
do Instituto Sociambiental